Hoje senti o cheiro da infância. O cheiro da terra molhada, o cheiro
de corridas e gargalhadas por entre ervas e penhascos. É tão nostálgico voltar
à infância. Voltar a ser a menina despreocupada que só queria brincar e apanhar
flores. Que gostava de subir as árvores para colher figos ou esconder-se atrás
dos arbustos para assustar o irmão. Que apanhava ramos para serem batatas
fritas e ficava horas a fio a saltar à corda na rua. Ou montada na sua
bicicleta, explorava qualquer caminho que a levasse a um lugar desconhecido. A
alegria de sentir a aragem no rosto ou a sensação de meter uma azeda na boca.
Lembro-me de amuar quando o sol começava aos poucos a desaparecer, pois era
sinal de regresso a casa. E isso implicava não sentir a terra nas mãos, não sentir
o vento na cara, não ouvir o som dos pássaros, nem sentir o cheiro da relva. De
noite tudo era chato, o silêncio, o estar em casa, a escuridão.
Recordo-me de olhar através da janela desejando
alvorecer, para de novo poder sair e brincar e correr e saltar.
Relembro-me dos tempos em que um dói-dói passava com beijinhos, em que uma
moeda era uma fortuna e um tubo de bolas de sabão era tudo. Acho que cada
vez mais isso se está a perder. Cada vez mais as crianças gostam de estar fechadas,
centradas nos seus jogos virtuais ou a ver televisão o dia inteiro.
Aborrece-lhes saltar, desagrada-lhes correr, maça-lhes qualquer movimentação
física.
Oh geração com astúcia nos dedos! Cada vez mais informados, com
mais acesso a qualquer ideia ou fonte de pesquisa. E não exploram. E não
procuram. E não têm curiosidades. Pirralhos e pirralhas que já querem escolher
a roupa que vestem. Eu, quando miúda, só queria algo que não me impedisse de
correr. Miúdos e miúdas que têm mais engenho a mexer em telemóveis do que
muitos adultos. Chavalos e chavalas que não sabem brincar às escondidas, à
apanhada, à macaca e ao lencinho. Gaiatos e gaiatas que não sabem jogar ao
pião, ao berlinde, ao jogo do elástico ou saltar à corda. Meninos e meninas que
não sabem o que é jogar ao jogo do galo (nas aulas aborrecidas) para passar o
tempo. Agora passam a aula inteira em sms's e instagram's , facebook's e
hashtag's. Os fins de semana são passados no PC ou tablet, xbox ou TV. Tudo
passa por comprar algo para os tornar felizes. Tudo tem um preço. Não sabem
inventar as suas próprias brincadeiras. Cada vez mais dependem do consumismo
para serem felizes.
Na minha meninice construíamos estradas com seixo e raminhos, fabricávamos
jogadores de futebol com caricas e cartão e arquitetávamos edifícios com cordas
e madeira. Na minha infância, contentávamo-nos com tão pouco. Hoje em dia acho
que não se contentam com nada.
Hoje, senti saudades da minha infância. Resta-me a reminiscência
de momentos tão bem passados. É uma riqueza incalculável ter lembranças tão
felizes na nossa memória. É algo que está tão distante no tempo mas permanece
tão presente em nós. Aquilo que já fomos, que passámos, que cheirámos, que nos
tornámos. Há cheiros que permanecem e estão comigo até hoje. O cheiro do
perfume da professora da primária, da casa da minha avó, o cheiro dos bolos de
domingo, dos sofás da tia rosa e dos dias de pesca com a família. Tudo isso me
leva de volta ao passado. E por mais que o tempo passe, esse cheiro (o cheiro
da infância) irá perdurar para sempre na minha memória.Soraia Silva