quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Pequenas coisas




   O inesperado, por vezes, traz-nos boas surpresas. Num período em que a tempestade teimava em demorar-se, a esperança de dias melhores não era se não um ponto de ligação entre o desejo e a necessidade. Dias compridos , fartos, cansados. Dias iguais de coisas sem importância. Dias em que ficar parada a olhar o vazio não me faria qualquer diferença. Dias que se pudesse dormir o dia inteiro, então melhor. Até que um dia o amanhecer se torna diferente. O Sol espreita pela janela e apesar dos 4ºC que se fazem sentir lá fora, a intensidade dos raios aquece o quarto. Vou até à cozinha, descalça, e pelo som dos meus passos a ranger no soalho percebo que a minha atenção, o meu pensamento, começa-se de novo a prender nas pequenas coisas. Hoje não acordei a pensar em ti. Não foste o primeiro pensamento do meu dia, como ontem também já não foste o último. Aos poucos, os meus dias começam a ganhar de novo o sentido normal. Começo a ter interesse novamente por sair, por me arranjar, por conhecer novas pessoas. A mulher desgostosa, que tem prevalecido estes últimos meses, começa aos poucos a desaparecer para dar lugar novamente à pessoa que sempre fui. Porque há um limite para o sofrimento, e eu já atingi o meu.

Soraia Silva

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Café da manhã

 


   Todos os dias ela voltava ao sítio onde, outrora, tomavam juntos o café da manhã. Onde anos a fio começava o dia para ambos; as primeiras palavras do dia, o incentivo para algo novo, os queixumes da noite anterior ou os planos para o fim de semana. De segunda a sexta, sem ressalva, bebiam o elixir de energia que os iria fazer aguentar a correria do dia; para depois se aninharem em abraços e carinhos no regresso a casa. Todos os dias, sem exceção, ele chegava a casa e dava-lhe um beijo demorado.
   Hoje ela vem sozinha, trás na mala o livro que a tem acompanhado ao longo dos últimos meses. Hoje, apesar do frio, há algo de reconfortante ao olhar lá para fora; o ruído sufocado dos carros, o barulho familiar da máquina do café, o tilintar das chávenas e o tumulto das pessoas ainda soava igual. Aquela habitual correria da manhã, de entradas e saídas, fê-la sentir-se acompanhada. Esse conforto aqueceu-a e preencheu o vazio deixado anos atrás, quando Liam resolveu partir sem data de regresso.
   Esse sentimento veio como que uma lufada de ar fresco, carregada de esperança e novas ideias. Uma mudança interior que há muito ansiava, um apagar do conta quilómetros, um recomeçar do zero.
   Porque lá no fundo, ela sempre esperou que ele voltasse. Nunca foi uma mulher de desistir do que quer, mas ninguém insiste para sempre. É chegado o momento em que a fadiga acaba por nos vencer.

Soraia Silva

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

E se...



E se eu não for será que me irei arrepender? E se eu ficar irei mais tarde lamentar?
Muitas são as questões que colocamos quando nos deparamos com situações em que temos que tomar uma decisão. Deverei dar uma oportunidade? É melhor ignorar ou enfrentar? A verdade é que nunca há uma resposta certa. Basicamente, acho que devemos sempre seguir a nossa intuição. Aquele bichinho interior que nos leva a tomar uma decisão. Aquela vozinha interna que nos aconselha a seguir determinado caminho. Podemos ouvir conselhos, opiniões e sugestões de pessoas que nos são próximas, que querem o nosso bem, mas, no final, sempre será uma decisão nossa. Não existe nenhum conceito racional. Nós é que iremos conviver com as nossas escolhas, elas irão nos remoer a nós e só a nós. Só a mim cabe saber se eu quero ficar contigo, mesmo com toda a gente a dizer-me para não o fazer. Só a mim cabe querer agarrar esta oportunidade, mesmo que todo o mundo me diga que não serei capaz. Só a mim cabe escolher a melhor casa para me abrigar, mesmo que as pessoas me digam que esta não é uma zona boa de se morar. A mim, somente a mim. Tenho a certeza que se seguir o meu coração, não me irei jamais arrepender de nenhuma decisão. Mesmo que as coisas não corram como desejamos, embora, por momentos, possamos pensar: e se? - Eu sempre irei seguir a minha intuição, como se de uma ordem se tratasse. Porque se a minha mente vaguear entre essas questões, o meu coração irá responder: se não deu certo, não foi à falta de tentar. - Porque sinceramente prefiro dizer: eu não acredito que fiz isto! -A dizer: eu gostava de ter feito aquilo.

Soraia Silva

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sem rumo



Hoje ganha-me a vontade de ir embora. Partir para um lugar longe daqui. Sem destino, sem companhia, sem bagagem. Levar só o essencial. Uma mala onde não caibam: hábitos, costumes, vícios. O hábito de me lembrar de nós, o costume de perguntar por ti, o vício de ficar horas a observar a tua fotografia. Sair porta fora sem nenhuma justificação. Sem ter que dar cavaco a ninguém justificando o porquê de me querer ir embora. De não querer ficar a enfrentar o que ainda me atormenta. A imensa saudade que tenho de ser tua. De seres meu. De sermos nós e só nós. Num abraço apertado, num beijo demorado. Poder viajar e deixar as memórias trancadas a sete chaves. Voltar apenas quando elas estiverem empacotadas, prontas a transportar para uma nova casa. Como dá vontade de deixar algumas memórias de fora da mala. Começar de novo. Sem receios, sem medos, sem inseguranças. Mas acho que, por mais que o tempo passe, sempre vai ter um espaço na minha mochila reservado a ti.

Soraia Silva

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Destino



Há dias em que desejava viajar para um passado próximo. Ter o poder de alterar as minhas escolhas, seguindo um caminho diferente daquele que optei. Fazer inversão de marcha para poder, de certa forma, corrigir palavras pronunciadas no momento errado ou atitudes tomadas em tempo inoportuno. Desfazer-me de algumas lembranças como num ritual de lavagem emocional. Viver outra vida, conhecer outras pessoas, mudar de casa, de local de trabalho, de cultura, de hábitos. Acreditar que se o Mundo for bom, irá apagar-me da memória todos aqueles momentos que me deixaram um vazio inexplicável. Que todo o sofrimento não será mais que uma memória longínqua. Esqueço-me, no entanto, que as ligações das almas gémeas são como um "boomerang", não importa o quão longe o possas lançar este sempre acabará por retornar às tuas mãos. Desfaço-me dos laços da nossa teia, a cada dia da minha existência, para depois me deixar emaranhar de novo na realidade que me é comum. A nossa realidade, a que o tempo não sabe destruir. Esqueço-me que a razão insiste em afastar, as leis do destino insistem em trazer de volta.

Soraia Silva

Ficas comigo para sempre?




Eu queria alguém que não sentisse vergonha do meu alvoroço. Nem do meu tom de voz quando me entusiasmo ou da minha gargalhada espalhafatosa. Alguém que me conseguisse observar e notasse a diferença entre: quando estou distante ou apenas distraída. Alguém que me abraçasse e beijasse, quando escondo a minha vulnerabilidade no meu mau-humor. Alguém que não se sentisse intimidado, ao ponto de me deixar, pela minha postura, mas quisesse sim, desvendar a melhor forma de lidar comigo. Alguém que não me odiasse quando falo sem pensar. Nem se afastasse nos dias em que sou bruta, insuportável, chata. Alguém que tivesse gestos românticos, sem data ou razão especial para o fazer. Que usasse o espelho da casa de banho, a areia molhada da praia ou a sujidade do meu carro para pequenas demonstrações de afeto. Que me fosse buscar ao trabalho porque sim. Ou aparecesse à minha porta nos dias não. Que me abraçasse sem eu pedir, ou me puxasse para ele inesperadamente, afim de me roubar um beijo. Alguém que despertasse a criança que há em mim. Que me fizesse rir. Que de quando em vez, me surpreendesse ao pedir, o que certamente saberia ser, o meu prato preferido. Que se antecipasse aos gestos e pudesse adivinhar o que digo em silêncio. Que me notasse no meio de uma multidão, mesmo que eu tentasse passar despercebida . Alguém que respeitasse o meu espaço, mas soubesse invadi-lo quando fosse necessário. Que cuidasse de mim e me mimasse nos dias em que estou doente, e igualmente, me acompanhasse naqueles em que estou dinâmica. Que me beijasse todos os dias ao acordar e agisse de igual modo na hora de deitar. Que me amasse ciente de todos os meus defeitos e conhecedor de todas as minhas qualidades. Que me amasse sem travões, sem paragens ou exceções. Que o amor se igualasse à amizade, e pudesse permanecer eternamente apaixonado. Se eu te pedir. Ficas comigo para sempre?

Soraia Silva